A notícia que a Câmara dos deputados aprovou o PL 4302/1998, o texto-base do projeto que libera a terceirização para atividades-fim, deixou muita gente preocupada com os rumos dos concursos públicos a partir de agora. A chamada lei da terceirização vai acabar com a realização dos certames para os órgãos públicos?
O professor Francisco Mário responde a essa e a outras perguntas, no artigo em que analisa o PL e seus reflexos na Administração Pública.
PL 4302/1998: sobre a terceirização e seus reflexos constitucionais
“O tema do momento é esse PL 4302/1998 e seus reflexos com relação aos contratos de trabalho. Vou tratar apenas dos aspectos constitucionais e relacionados à Administração Pública. Sobre os reflexos na órbita do Direito do Trabalho e do prejuízo que o projeto é capaz de causar aos trabalhadores da iniciativa privada, deixo para a galera que é craque no assunto.
1 – Quais os serviços prestados pela Administração Pública?
Quando falamos de Administração Pública, costuma-se dividir a Administração em 4 bases:
a) Serviços Estratégicos: os cargos são ocupados por membros dos Poderes, Magistrados, membros dos Ministério Público, Procuradores, etc;
b) Serviços Exclusivos: exercitado, por exemplo, pelas autoridades policiais e seus agentes;
c) Serviços Não Exclusivos: são aqueles abertos à iniciativa privada, como saúde, cultura, dentre outros;
d) Serviços relacionados à produção de bens de consumo e serviços: relacionam-se às atividades desenvolvidas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista.
2 – A lei, acaso aprovada, afeta a realização de concursos públicos? Com qual abrangência?
O projeto é silente quanto à sua aplicação no âmbito do serviço público, já que menciona a possibilidade de terceirização para prestação de serviços em pessoas jurídicas, sem mencionar o tipo de pessoa jurídica, se de direito público ou privado, razão pela qual se passou a propagar que a provável futura lei afetaria profundamente a realização de concursos públicos (falo “provável futura lei” porque, até a data de hoje, ainda depende de sanção do Presidente da República para tornar-se uma lei).
Ao meu sentir, o projeto não possibilita a terceirização da atividade fim relacionada aos Serviços Estratégicos, Exclusivos e Não exclusivos, pois tais funções são exercitadas por ocupantes de cargos públicos efetivos. Assim, para as carreiras de Procuradorias, Magistratura, Tribunais, Policiais, dentre outras, a legislação em nada afeta a realização dos concursos. Em outros termos, o projeto de lei não afeta os cargos e funções vinculados à Administração Direta ou aos entes autárquicos (autarquias e fundações públicas).
3 – Mas, se o projeto de lei é silente quanto aos tipos de pessoas jurídicas atingidas, por que não se aplicaria à Administração Direta e aos entes autárquicos? E como ficam as empresas públicas e sociedades de economia mista?
Por um motivo simples, o silêncio, por si só, não importa em permissão e, no caso, o texto do projeto deve ser interpretado segundo a Constituição. Logo, qualquer interpretação e aplicação contrárias à Constituição devem ser tidas por inconstitucionais.
Os entes da Administração Direta e autárquica são submetidos exclusivamente ao regime jurídico de direito público, não havendo liberdade para o administrador contratar quem quiser, devendo seguir, estritamente, o regime jurídico-constitucional estabelecido para os entes públicos. Já os entes da Administração Pública que possuem personalidade jurídica de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista), devem submeter-se ao regime jurídico de direito privado. Logo, as funções são exercitadas por empregados públicos.
Porém, mesmo para as empresas públicas e sociedades de economia mista, o regime jurídico não é exclusivamente privado, pois tais entes estão submetidos a algumas normas relacionados ao regime jurídico de direito público. Dentre tais normas, está a obrigatoriedade de realização de concurso para fins de ocupação dos cargo e empregos públicos, conforme art. 37, II da CF/88.
Logo, tornar a terceirização a regra, é ferir os princípios do concurso público, bem como o da eficiência e da impessoalidade, já que permitiria a alguém não concursado a realização de atividades e funções que apenas deveriam ser exercitadas por alguém regularmente investido no cargo ou emprego, por meio do concurso.
4 – Enfim, então não preciso me preocupar?
Se você está se preparando para concursos, não é o caso de desesperar-se. É até possível que, eventualmente, se tente aplicar o projeto indiscriminadamente no âmbito do serviço público, porém é improvável. A elaboração do projeto não teve como objetivo afetar a realização de concursos públicos, mas sim a sua aplicação na esfera privada. Mesmo que se entenda pela aplicação no âmbito do serviço público, tende-se a restringir a serviços não essenciais e, havendo abuso, certamente o Judiciário irá intervir para corrigir.
Então, não se desvie da sua preparação, Preocupação com aspectos paralelos não trazem a aprovação, mas sim o foco e a dedicação.
Bons estudos!”