21/01/2014
#Partiu penal? Ô se partiu! Vamos ver uma questão sobre erro que além de perguntas ótimas, tem comentários incríveis. Ou seja, dá para aprender muito sobre o assunto só com uma questão! Bom, né? Então vamos a ela. ^^
(CESPE – 2013 – TJMA – Juiz de Direito) A respeito do erro em matéria penal, assinale a opção correta:

a) Erro de pessoa e aberratio ictus são espécies de erro na execução do crime, não tendo nenhuma relação com a representação que o agente faz da realidade.

b) Consoante a teoria estrita da culpabilidade, o erro penalmente relevante referido a uma causa de exclusão da ilicitude pode, ou não, configurar erro de permissão, ou seja, erro de proibição indireto.

c) De acordo com a teoria limitada da culpabilidade, o erro de tipo permissivo é inconfundível com a hipótese descrita expressamente no Código Penal brasileiro como descriminante putativa.

d) Segundo a teoria extremada do dolo, o erro inevitável, seja em relação aos elementos do tipo, seja em relação à consciência da ilicitude, sempre exclui o dolo e, em consequência, também a culpabilidade.

COMENTÁRIOS:

A questão exige tanto estudo dos candidatos que ela contempla, inclusive, as teorias extrema e limitada do dolo, que são legal e doutrinariamente consideradas “peças de museu”, haja vista que há muito tais teorias foram superadas pelas denominadas “teorias da culpabilidade no estudo do erro nas causas de justificação (descriminantes putativas)”.

Passemos a um breve resumo das teorias do dolo e da culpabilidade:

A) Teoria Estrita, Extrema ou Extremada do Dolo: O dolo é normativo (consciência das elementares do tipo penal + vontade de realizar a conduta e de produzir o resultado + consciência ATUAL da ilicitude) e reside na culpabilidade. Assim sendo, seja quando o agente incorre em erro quanto à existência de uma elementar do tipo penal, seja quando ele atua sem ter a ATUAL consciência da ilicitude, o dolo é excluído. Uma vez excluído, a culpabilidade é excluída. Desse modo, para a teoria em comento, todo erro quanto a uma causa de justificação (quanto aos pressupostos fáticos; ou quanto à existência ou limites da causa de justificação) exclui a culpabilidade ao argumento da inexistência do dolo normativo.

B) Teoria Limitada do Dolo: O dolo é normativo (consciência das elementares do tipo penal + vontade de realizar a conduta e de produzir o resultado + consciência POTENCIAL da ilicitude) e reside na culpabilidade. Assim sendo, seja quando o agente incorre em erro quanto à existência de uma elementar do tipo penal, seja quando ele atua sem ter a POTENCIAL consciência da ilicitude, o dolo é excluído. Uma vez excluído, a culpabilidade é excluída. Desse modo, para a teoria em comento, todo erro quanto a uma causa de justificação (quanto aos pressupostos fáticos; ou quanto à existência ou limites da causa de justificação) exclui a culpabilidade ao argumento da inexistência do dolo normativo. A distinção entre as teorias do dolo no tratamento das causas de justificação diz respeito unicamente a que na teoria extremada o dolo normativo exige consciência ATUAL da ilicitude; na teoria limitada o dolo, que também é normativo, requer apenas que a consciência da ilicitude seja meramente POTENCIAL.

Seja como for, as teorias do dolo foram superadas pela teoria finalista da ação, de Hans Welzel, pela qual o dolo foi removido da culpabilidade à conduta (e esta integra o tipo penal incriminador), e o elemento normativo do dolo foi deste removido e inserido na culpabilidade sob a denominação de “consciência potencial da ilicitude”. A culpabilidade, enfim, passou a ser totalmente normativa (sem qualquer elemento psicológico, portanto), com os seguintes elementos: imputabilidade; consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

No tratamento da natureza do erro quanto às causas de justificação (descriminantes putativas) surgiram, então, as chamadas “teorias da culpabilidade”, para as quais o agente sempre age com dolo quando opera naquele erro (não se fala, assim, em exclusão do dolo).

C) Teoria Estrita, Extrema ou Extremada da Culpabilidade: É minoritária na doutrina e NÃO foi adotada pelo nosso Código Penal. Ela proclama que todo e quanto erro quanto a uma causa de justificação (seja o erro quanto à existência dos pressupostos fáticos da justificante, seja o erro quanto à existência ou limites da justificante) é SEMPRE ERRO DE PROIBIÇÃO INDIRETO.

D) Teoria Limitada da Culpabilidade: É majoritária na doutrina e FOI adotada pelo nosso Código Penal (vide item 19 da Exposição de Motivos do Código Penal), de sorte que tal teoria é que deve nortear os candidatos na resolução de questões de concursos públicos sobre erro nas causas de justificação. Com relação à pergunta: “o erro quanto a uma causa de justificação (descriminante putativa) é erro de proibição indireto ou erro de tipo permissivo?”. A teoria extremada da culpabilidade responderia sem hesitação: “é SEMPRE erro de proibição indireto (art. 21 do CP)!”. Já a teoria limitada da culpabilidade responde com um singelo “DEPENDE do caso concreto”. Para esta teoria, o erro quanto a uma causa de justificação pode ser “erro de proibição indireto” (art. 21 do CP), caso o erro recaia sobre a existência ou os limites de uma justificante; ou, na linguagem de Jescheck e Gallas, a descriminante putativa ocorre por “erro de tipo permissivo” (também denominado “erro de permissão”) (art. 20, § 1º, do CP), na eventualidade de o erro do agente incidir sobre os pressupostos fáticos de uma justificante.

Observe-se, logo, que enquanto a teoria limitada da culpabilidade oferece “opções” quanto à natureza do erro na causa de justificação (descriminante putativa), podendo ser erro de tipo permissivo (art. 20, § 1º, do CP) ou erro de proibição indireto (art. 21 do CP), a teoria extrema diz que este erro é sempre o mesmo: erro de proibição indireto.

Passemos doravante à análise das alternativas da Questão Comentada…

A) A letra A está INCORRETA. Erro sobre a pessoa (“error in persona”), art. 20, § 3º, do CP, e “aberratio ictus” (erro na execução), art. 73 do CP, são espécies do gênero ERRO DE TIPO ACIDENTAL. A questão equivoca-se ao equiparar o erro sobre a pessoa com o erro sobre a execução, posto que são espécies de erro (do gênero acidental) distintas. No erro sobre a pessoa existe ERRO DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA.

Numa linguagem simples, o agente “confunde” o alvo. Ex: Quer matar seu tio, mas acaba matando seu pai, por confundi-lo com seu tio. Já na “aberratio ictus” existe ERRO DE EXECUÇÃO, é dizer, há uma execução defeituosa, daí porque o alvo atingido é diverso. Ex: Quer matar seu tio, mas como o agente tem uma péssima pontaria, atinge e mata apenas seu pai, que se encontrava a alguns metros do tio. Como complemento, insta salientar que, embora sejam modalidades de erros distintas, a consequência jurídica é a mesma entre os arts. 20, § 3º, e 73 do CP: o agente responde pelo crime doloso; todavia, de acordo com as características da vítima virtual (almejada, visada), não da vítima real (efetivamente atingida). Assim, nos exemplos retro citados, o agente responde por homicídio sem a incidência da agravante (crime praticado contra ascendente – art. 61, II, e, do CP).

A letra B está INCORRETA. Para a teoria estrita ou extremada da culpabilidade, qualquer erro sobre uma descriminante (pressupostos fáticos, existência ou limites) é tido como erro de proibição indireto (art. 21 do CP), a ter repercussões no campo da culpabilidade. Para a assertiva ser correta, ela teria que tratar da teoria limitada da culpabilidade, pois, para esta, se o erro for sobre pressupostos fáticos, estaremos diante de erro de tipo permissivo (art. 20, § 1º, do CP). Se o erro for sobre limites ou existência da descriminante, estaremos diante de erro de proibição. Outra falha da alternativa: da forma como está redigida, o erro de tipo permissivo e o erro de proibição indireto seriam a mesma coisa, o que não é verdade.

C) A alternativa C também está INCORRETA. Ela diz que o erro de tipo permissivo não é aquele erro estampado no art. 20, § 1º, do CP. Ora, esse dispositivo versa exatamente sobre o erro de tipo permissivo. Muito evidente o erro da alternativa.

D) A alternativa D, finalmente, é a CORRETA. Com efeito, segundo exposto acima, na teoria extrema(da) do dolo o erro que recai sobre o aspecto psicológico cognoscitivo do dolo (consciência das elementares do tipo penal incriminador) ou sobre a consciência atual da ilicitude exclui o dolo e, por conseguinte, exclui a culpabilidade (na acepção que a doutrina tinha antes da teoria finalista da ação).
Cedido pelo prof. Auxiliar Alexandre Zamboni.

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